quinta-feira, 23 de julho de 2009

..."Amor Fati" ...

.
" E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: 'Essa vida, assim como tu a vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda mais uma vez e ainda inúmeras vezes; e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indizivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência - e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez - e tu com ela, poeirinha da poeira!' Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasse assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderias: 'Tu és um deus, e nunca ouvi nada mais divino!' Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse ".

"Ser, antes de tudo, um forte"

...Assim Falava Zaratustra - F. Nietzsche...

terça-feira, 21 de julho de 2009

De José Maria

.
Conheço a viagem absoluta ao festim soado,
as lousas, as eras que fizeste comportar,
a fiança ateada com que absorvias.

Sou as vezes que disseste que me amavas,
os passeios de mãos dadas. Os beijos.
Os abraços apertados de que gostavas.
Sou as omissões pressentidas, as dúvidas instaladas,
a observância das atitudes.
Sou o diálogo requerido, a incapacidade de te fazer falar.

Por vezes incido o olhar sobre a tua ausência.
Por vezes regressas dela.
E eu fundo-me na linha irreflectida
no suposto ardor da romã.

Por vezes, atravessas-me como um corte, um traço na garganta.
E eu sou o despojo de mim
trapo no chão do amor.

(Fui soro e carne para tua terapia
lama para te besuntar
poesia.)

A vida por um gesto
um rapto, um beijo.

...Rapto - José Maria Aguiar Carreiro...

segunda-feira, 20 de julho de 2009

De mim

.
Como podes sorrir-me assim?
algema-me os dentes
porquanto me amas
em línguas e lâminas
gozo e sal

saem-me em arrepio
pedância de ti.

Como podes sorrir-me assim?
Fizeste-te Hiena e eu - presa tua.
Sorris-me, e matas-me
tendo-me vento
-tantos outros...

Sopro voraz em teu anseio
leve brisa no teu ego.

Como podes sorrir-me assim?
Enquanto há outros a chorar por mim...

De Pablo

.
Não te quero senão porque te quero,
e de querer-te a não te querer chego,
e de esperar-te quando não te espero,
passa o meu coração do frio ao fogo.

Quero-te só porque a ti te quero,
Odeio-te sem fim e odiando te rogo,
e a medida do meu amor viajante,
é não te ver e amar-te,
como um cego.

Tal vez consumirá a luz de Janeiro,
seu raio cruel meu coração inteiro,
roubando-me a chave do sossego,
nesta história só eu me morro,
e morrerei de amor porque te quero,
porque te quero amor,
a sangue e fogo.


...Pablo Neruda...